ANETAAI: A tecnologia como ferramenta de inclusão
Cecílio Henriques é engenheiro informático, analista de dados e presidente cofundador da ANETAAI (Associação Nacional Educação em Tecnologia Assistiva Apoio a Invisuais ). A organização foi recentemente distinguida com o prémio de melhor startup no ANGOTIC 2025, graças ao projecto Gikula Nkanda Nuanga, voltado para a inclusão digital de pessoas com deficiência visual. Nesta entrevista, Cecílio Henriques partilha os desafios, as conquistas e as perspectivas para o futuro da tecnologia assistiva em Angola.
Entrevista
15, Julho de 2025

RNC. Como recebeu a notícia de que a ANETAAI foi distinguida com o galardão de melhor startup no ANGOTIC 2025?
CH.R.: Não estava preparado para receber a notícia, nem esperava. Como podem ver na imagem, nem estava vestido a rigor. Até resisti em ir ter com o senhor, a mando do Ministério das Telecomunicações Tecnologias de Informação e Comunicação Social, para que pudesse falar com o ministro. Mas foi incrível quando recebemos a informação. Foi muito importante para a minha carreira pessoal, e, enquanto informático, poder fazer algo que foi reconhecido a nível nacional.Qualquer engenheiro voltado às TICs deseja ser reconhecido pelo seu trabalho. Foi realmente emocionante. Também o foi para a minha esposa e colega, Maura Katila Baptista, vice-presidente da ANETAAI, a quem coube a responsabilidade de desenvolver a solução levada ao ANGOTIC.

RNC. O que representa este prémio para a ANETAAI e, em particular, para o projecto Gikula Nkanda Nuanga?
CH.R.: Gikula Nkanda Nuanga é um projecto de formação digital para pessoas com deficiência visual. Este prémio representa uma oportunidade e mostra que somos pioneiros no país, e os mídias devem ajudar-nos a fazer chegar essa solução às 58.923 pessoas com deficiência visual existentes em Angola, segundo o censo de 2014.
RNC. Pode explicar-nos em que consiste o projecto Gikula Nkanda Nuanga e como tem contribuído para a autonomia das pessoas invisuais em Angola?
CH.R.: Gikula Nkanda Nuanga (“abre o livro e ouve”) tem como objectivo eliminar as barreiras entre pessoas com deficiência visual e a tecnologia. O projecto procura colmatar a lacuna existente: a principal tecnologia conhecida pelas pessoas cegas é o braille, que é indispensável, sim, mas não inclusiva para a era em que vivemos, dominada pelas TIC. O projecto é a ponte entre estas pessoas e as novas tecnologias.
As pessoas com dificiência visual ao estudarem e trabalharem com as ferramentas tecnológicas, poderão contribuir para o desenvolvimento das suas famílias, comunidades e do país. Já imaginou uma pessoa com deficiência visual tornar-se engenheira informática? A ANETAAI está a criar condições para isso ser possível. Estamos a estabelecer parcerias com instituições do ensino médio e superior, para encaminhar estas pessoas e prestar assessoria. A nossa vice-presidente, por exemplo, está a formar-se em análise de sistemas, porque quem vive os problemas tem mais capacidade de apresentar soluções.

RNC. Que desafios enfrentaram ao longo desta década de trabalho silencioso na promoção da tecnologia assistiva no país?
CH.R.: Os colegas com quem me formei no Brasil e nos Estados Unidos perguntam-me por que razão ainda não sou rico em Angola. Isso acontece porque as pessoas desconhecem o valor da tecnologia que temos disponível. São muitos os desafios. Batemos às portas de várias instituições e pessoas, mas nem sequer leem os nossos documentos, não demonstram interesse. Há empresas que já tinham os nossos projectos há dois, três ou cinco anos, e só agora, depois do ANGOTIC, entraram em contacto, e mesmo assim, apenas com chamadas.
Muitas vezes, tiro dinheiro do meu próprio bolso para comprar equipamentos e custear viagens. Graças à compreensão da minha esposa, que entende quando sacrifico as despesas de casa em prol do projecto, pois acredito que é possível.
RNC. Como tem sido a recepção por parte das comunidades invisuais e das instituições públicas e privadas ao trabalho da ANETAAI?
CH.R.: A recepção tem sido boa. São coisas novas, que despertam entusiasmo, o que chamamos de “entusiasmo de palha”. As pessoas dizem “conte comigo”, mas depois mostram-se indiferentes quando pedimos ajuda concreta. Com esta entrevista, esperamos que o nome da ANETAAI se dissemine e que mais pessoas contribuam com o nosso projecto, por mais simples que seja, fará toda a diferença.
RNC. O galardão conquistado no ANGOTIC pode abrir novas portas. Quais são os próximos passos ou projectos que pretendem desenvolver?
CH.R.: A nossa participação no ANGOTIC abriu portas. Estávamos no anonimato, mas ali tivemos contacto com milhares de pessoas, firmámos parcerias, ainda que não financeiras, mas de troca de experiências e conhecimentos que nos ajudam a melhorar a tecnologia. Quanto aos novos projectos, queremos estar mais presentes nos média, em fóruns de tecnologia e workshops sobre inovação em tecnologia assistiva. Contudo, somos uma instituição filantrópica e não temos fundos para participar em todos os eventos. Por exemplo, no dia 19 haverá um fórum no Shopping Fortaleza, e seria essencial estarmos lá, mas não temos parceiro que viabilize essa presença. No momento, temos três projectos em curso que queremos consolidar. São já 15 anos ao serviço da tecnologia e não queremos parecer amadores, pois somos académicos e devemos ter muito rigor no desenvolvimento de novos projectos.

RNC. Acredita que Angola está preparada para integrar plenamente a tecnologia assistiva nas políticas de inclusão digital? Que mudanças ainda são necessárias?
CH.R.: Angola está no caminho. Temos o satélite, há vontade e vozes que se fazem ouvir nos bastidores com a pretensão de modernizar as instituições públicas. Falamos das administrações, mas é preciso que essa vontade chegue à Assembleia Nacional. Precisamos de leis que protejam as nossas ideias e de um legislador comprometido. Angola precisa ser signatária de convenções que promovam a inclusão digital.
RNC. Que mensagem deixa para os jovens inovadores angolanos e para todos aqueles que lutam por causas sociais através da tecnologia?
CH.R.: Somos uma gota no oceano, mas podemos fazer a diferença. A todos os que conseguem tirar as ideias do papel, não parem. Por mais dificuldades que encontremos, devemos ser resilientes até materializarmos os nossos sonhos. Todos aqueles que trabalham com inclusão lidam com a caridade, e não há nada melhor do que doar o nosso tempo, é o nosso bem mais precioso. Muitas vezes passamos noites em frente ao computador, a trabalhar numa tecnologia para torná-la possível. Não desistam. Temos um Deus dentro de nós. Não adianta chorar pelo leite derramado. É seguir em frente.
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